O texto abaixo traz
uma perspectiva interessante sobre a crise atual da Grécia vinda de um
jornalista desse país. Ele foi escrito antes das eleições do dia 18 de junho,
domingo passado, na qual finalmente foram definidas as novas lideranças
políticas gregas.
Como ainda não
sabemos bem qual será o futuro da Grécia e da Europa, as dúvidas aí expostas
continuam valendo. Fiquem atentos para o que ainda pode vir a acontecer. Dentre
as possibilidades de assuntos possíveis para este ano, acredito que a falta de
estabilidade econômica da União Europeia é um dos mais prováveis de serem
vistos nas provas do ENEM e dos vestibulares, inclusive no da UFPR.
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COMO A GRÉCIA DESPERDIÇOU SUA LIBERDADE
Nikos Konstandaras, editor-chefe e colunista do jornal grego Kathimerini
A eleição de domingo
mudará nossas vidas – determinando não apenas se queremos continuar na zona do
euro, mas também a natureza de nossa sociedade e o destino da democracia que
foi restabelecida há apenas 38 anos. Estamos divididos entre aqueles que querem
continuar com o processo de reforma e os que querem voltar ao passado. Nossos
parceiros na União Europeia estão com medo das consequências da nossa eleição,
mas, fora isso, parecem indiferentes ao nosso destino.
Num momento em que as
escolhas parecem ser claras – entre a reforma e a estagnação, entre a Europa e
o isolamento, entre o progresso doloroso e o conforto enganoso da rendição – os
problemas se confundem por conta das falsas expectativas, falsas escolhas e
pelo fracasso de uma classe política que não consegue propor soluções para os problemas
do país, nem estabelecer um consenso nacional mínimo sobre o que está em jogo e
o que precisa ser feito.
Estamos diante de uma
escolha entre duas alternativas com falhas. Por um lado, há a Nova Democracia,
um partido de centro-direita que teve grande responsabilidade em minar a
reforma e a recuperação econômica nos últimos dois anos. No entanto, agora ele
se apresenta como a força responsável que manterá a austeridade e a Grécia na
zona do euro.
Do outro lado, há a
Syriza, uma coligação belicosa esquerdista que declara que irá imediatamente
anular o acordo de resgate e exigir que nossos parceiros continuem a nos
emprestar dinheiro. Esse caminho poderá levar à saída rápida do país da zona do
euro e a um futuro caótico.
Desde o último mês de
outubro, após a primeira sugestão de que a Grécia poderia ser forçada a sair do
euro, nós temos vivido uma incerteza desesperadora. Num país de menos de 11
milhões de habitantes, mais de um milhão está desempregado. Um estudo recente
feito pela Universidade do Panteão em Atenas sugere que sete a cada dez gregos
entre 18 e 24 anos esperam tentar a sorte em outros países.
A insegurança nos
abala profundamente. Todos os dias nós nos perguntamos se fizemos a coisa
certa, pondo nossas poupanças em risco por conta de uma declaração teimosa de
confiança num país que, desde a sua fundação, já declarou falência várias
vezes.
A escolha que os
gregos enfrentarão no domingo pode parecer simples – entre apertar os cintos e
permanecer no euro, ou sair dele e enfrentar um colapso econômico. Mas a
política aqui nunca é simples. Nenhum dos partidos tem dado continuidade a uma
agenda política séria para evitar o desastre. Aqueles que querem uma Grécia
melhor precisam ir atrás da opção menos pior.
E esse sentimento de
perda piora quando compreendemos que desperdiçamos a maior parte das últimas
quatro décadas. A Grécia deu passos em conquistar os padrões de seus parceiros
europeus, com projetos de infraestrutura e com os subsídios da União Europeia e
mercados ajudando a criar uma economia crescente e uma nova classe média. Mas
permitimos que o desenvolvimento se tornasse uma bolha.
Cerca de 80 bilhões
de euros já foram sacados e que milhões estão sendo sacados todos os dias.
Parte vai para pagar contas, enquanto o resto está sendo escondido ou levado
para o estrangeiro. No entanto, no mês passado havia ainda cerca de 170 bilhões
de euros nos bancos gregos, apesar do coro crescente de economistas que
declaram que a Grécia irá sair do euro. Por quê? Talvez quando o vulcão
estourar, quando os bandidos vierem atrás dos nossos vizinhos, quando uma
sociedade desistir de sua luta pelo progresso, a familiaridade de nossas
rotinas tenham nos anestesiado e nos deixado incapaz de sentir a poeira e o
estrondo dos estouros por vir. Talvez nós não pensemos que coisas ruins possam
nos acontecer.
O que eu quero me
lembrar da Grécia em 2012 é como a preguiça e os anos de lassidão intelectual
podem desperdiçar a dádiva da liberdade e deixar os portões da cidade
escancarados – como nós permitimos que os nossos líderes nos aliciassem, até
não termos mais ninguém capaz de nos guiar e ninguém ao nosso lado nas
barricadas.
Tradução: Adriano Scandolara
(Gazeta do Povo,
17 de junho de 2012)
Belo texto Daniel. Assunto em pauta no momento.
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